O jovem Milton Fernandes nasceu no bairro do Meyer, no Rio de Janeiro,
em 16 de agosto de 1923, mas foi registrado em 27 de maio de 1924.
Estava perto de fazer 17 anos quando precisou tirar uma segunda via de
sua certidão de nascimento. Ao observar a grafia do tabelião que
registrara sua certidão original, percebeu que as letras que deveriam
ser “lt” do nome Milton, pareciam dois “ll”, e o traço que deveria
cortar a letra “t” estava mais para um acento circunflexo colocado sobre
a letra “o”, assim como o “n” final lembrava a letra “r”. Milton
concluiu então que não era Milton, como até agora se achava e todos os
parentes e amigos o conheciam. Era Millôr. Nascia naquele momento Millôr
Fernandes, um artista incomum que viria a fazer sucesso em todas as
áreas que abraçou.
À época dessa descoberta, já trabalhava na
revista “O Cruzeiro”, onde com 14 anos foi admitido como contínuo e
repaginador. A revista, que de início era pequena, transformou-se ao
longo do tempo em grande sucesso, podendo ser comparada como uma espécie
de Rede Globo da época. Seja por necessidade dos empregadores ou por
seu próprio esforço, Millôr começou a ser o “faz tudo” da empresa e logo
estava escrevendo. Um dos primeiros sucessos de sua carreira foi a
coluna humorística Pif Paf, que manteve por bastante tempo e onde, além
dos textos, publicava seus desenhos.
Surge o crítico e observador da cena brasileira
Com exceção da época de repressão da
ditadura militar,
o Brasil sempre encontrou no humor o caminho para a crítica política e
de costumes. Prova disso são, por exemplo, as produções do
Barão de Itararé
com suas frases indefectíveis, as histórias de "O amigo da Onça", que
se transformou num dos mais populares personagens do país, assim como os
hilariantes quadros do programa PRK-30 da Rádio Nacional que tinha
audiência nacional.
Millôr não deixava por menos, e o tom
crítico e genial de suas frases sempre esteve presente em seu trabalho.
Certa ocasião, falando de Getúlio em sua coluna, comparou-o a um
escritor mexicano famoso chamado Vargas Villa. Na verdade, publicou a
caricatura de
Getúlio Vargas
e comentou que Vargas era maior que Vargas Villa, pois ele era o Vargas
Vilão. Mas esse mesmo humor satírico, capaz de mostrar o lado risível
da vida que era tão bem aceito pelo público, também causava
descontentamento. Quando publicou em sua coluna "
A Verdadeira História do Paraíso", o texto despertou a ira de religiosos, e a revista, na qual trabalhava há 25 anos, simplesmente o demitiu.
Vida que segue
A demissão não diminuiu o ânimo de Millôr e logo depois alguns amigos o chamam para transformar sua famosa coluna,
Pif Paf,
numa revista. Corria o ano de 1964 então e a revista durou oito números
apenas, mas se transformou na primeira publicação alternativa do país.
Mais que isso, foi para ele um verdadeiro ensaio para um sucesso
editorial que aconteceria algum tempo depois.
Foi em 1969, na companhia de Tarso de Castro, Jaguar,
Ziraldo, Sérgio Cabral,
Henfil, Ruy Castro, entre outros colaboradores, que Millôr inicia sua participação no semanário "
O Pasquim", uma das mais famosas publicações alternativas a desafiar o regime ditatorial da época. Por vários anos, "
O Pasquim"
se tornou um dos raros veículos que conseguia fazer uma crítica
incisiva ao regime totalitário, criando um humor corrosivo e publicando
entrevistas contundentes.
Na sequência de sua carreira no jornalismo, Millôr começa em 1983 a escrever na revista
Isto É e em 1996 passa a colaborar com os jornais
O Estado de São Paulo,
O Dia e
Correio Brasiliense. Mas a essa altura, o jornalista já desenvolvera várias facetas e brilhava também em outras áreas.
Um autodidata de mil faces
Millôr sempre desenvolveu seus dotes de maneira autodidata e baseado em
sua capacidade criativa. Capacidade que estimulava com um trabalho
persistente e com uma rotina dinâmica.
Dessa forma, cedo ele
aprendeu a desenhar copiando as histórias das revistas em quadrinhos até
transformar seus desenhos num dos traços mais marcantes do cartunismo
brasileiro. Com esse mesmo espírito se transformou num dramaturgo
reconhecido já desde seus primeiros textos ("
Uma mulher em três atos", "
Um elefante no caos", "
O homem do princípio ao fim") que foi acompanhado por outros sucessos como "
Liberdade liberdade", espetáculo musical que roteirizou em parceria com
Flávio Rangel. Aliás, como roteirista, desenvolveu também vários trabalhos para o cinema e para a televisão, entre eles o longa "
Terra Estrangeira" e "
Memórias de um sargento de milícias", adaptado da obra de
Manuel Antônio de Almeida.
Foi ainda um excelente tradutor de teatro e são memoráveis suas traduções para clássicos como
Rei Lear,
Hamlet e
A Megera Domada de
Shakespeare,
Tio Vania, de Tchecov ou
As lágrimas amargas de Petra Von Kant,
de Fassbinder, entre muitas outras. Conseguia em suas traduções fugir
da rigidez e dos formalismos estéticos, para produzir um texto mais
coloquial e próximo de nossa língua. Seguindo certamente seu preceito de
que “para traduzir é preciso ter todo o rigor e nenhum respeito pelo
original”.
Um artista antenado com seu tempo
Ao longo
de toda a sua vida, Millôr sempre foi um artista capaz de se expressar
das mais variadas formas. Para isso se valeu do texto, das imagens, do
humor. Autor de frases famosas, textos críticos e desenhos e caricaturas
inesquecíveis, marcou seu tempo com a riqueza de sua obra.
Atento às mudanças tecnológicas que afetam diretamente a comunicação,
precocemente percebeu que a Internet poderia ser a sua praia e, já em
2000, lança um
site no UOL,
onde concentra toda a criação de sua longa carreira. Charges,
comentários picantes sobre política, economia e costumes refletem na
página o bom humor que sempre esteve presente na vida do escritor.
Doente, chegou a ser hospitalizado por duas vezes em 2011 e morreu em
sua casa, no bairro de Ipanema no Rio de Janeiro em 27 de março de 2012.
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/millor-fernandes.jhtm
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